Canô – a centenária simpatia de Santo Amaro
Na busca por lugares curiosos, novidades e pessoas interessantes, chega a vez da cidade de Santo Amaro no Recôncavo Baiano, eu e alguns colegas do curso de Comunicação, entrevistamos sua mais célebre moradora: Dona Canô.
Por volta de 9:40 da manhã chegamos a sua casa . No entanto a entrevista só começou de fato, pouco mais das 10:00. Telespectadora assídua da missa da manhã, sua rotina só começa quando ela termina. Aguardamos curiosíssimos, na sala, analisando cada mínimo detalhe do ambiente. Cada quadro, fotografia, o pequeno altar, os santos e a imagem de Jesus Cristo, tudo revelando a alta religiosidade da moradora.
Quando chega à sala, contagia, imediatamente a todos, com sua enorme simpatia, um sorriso único e inesquecível. Ela senta-se, e ao redor cada um dos futuros jornalistas se aconchegam, ouvindo atenciosamente suas histórias e peripécias, inebriados. A primeira pergunta é lançada: “Conte um pouquinho da sua história de vida”. – sua resposta não poderia ser melhor – Ela responde, sutilmente: “Minha filha, não precisa. Já tem um livro que diz tudo sobre a minha vida. É só ler. Você já viu?”. A partir daí parecia mais uma conversa do que uma entrevista. Em certo ponto ela interrompe sua fala no momento em que passa pela rua um carro de som anunciando propaganda. “Quem faz propaganda ‘esquecem’ que nós podemos ficar surda. Gritam feito loucos. Não falam não. Gritam! Ninguém ouve nada”. Ela é muito direta, e não tem meio termo. Diz o que pensa, independente de quem seja. Ao ser questionada sobre tantas homenagens que recebera durante sua vida, ela é bastante clara: “Eu queria saber por que essas homenagens. Eu não sou nada. Meus filhos é que cresceram, mas eu não sou nada. Apenas mãe deles.” Um dos entrevistadores pergunta se ela não se sentia privilegiada por ser a mãe de uma família tão bonita e talentosa. Muito humilde, responde: “Não, não, chegou pra mim, mas não é privilégio meu não. É de qualquer mãe que tem que acontecer isso. Chegou pra mim porque era mais humilde que as outras todas. Que a de Roberto Carlos, que a de Erasmo Carlos, Francisco Alves. Eu só posso agradecer. Não pedi!”. Reconhecida por sua enorme humildade e carisma ela enfatiza: “Sou humilde até hoje. Por mim quem quiser que ache que a minha humildade é de propósito. Porque eu não sou nada, eu sou humilde”.
Perto de completar 102 anos, ela afirma: “Não tem segredo. Nunca disse que era segredo, porque nunca escondi de ninguém a minha vida. Acho que foi porque procurei viver em paz. Recebendo as graças e também esperando o que tinha que acontecer. O que teve que acontecer de ruim, eu vivi; o que teve de acontecer de bom, eu também vivi. Por isso que estou ainda aqui.” Ainda em relação ao seu aniversário, ela diz que não gosta de receber presentes – “Velho não precisa mais de presentes!” – como sempre fez desde seu aniversário de 80 anos. Pede sempre que lhe deem sabonete, creme dental, toalhas, lençóis, para que possa distribuir para “seus velhinhos”. De repente fomos surpreendidos por um gato preto! Era ‘Negão’. O gato de estimação da casa avançou, rapidamente, contra uma de nossas colegas. Com seu invejável bom humor, ela exclama: “Ô Negão! Você mordeu? Ô Negão, tá maluco? Ele avançou também na mão de Clara Maria (sua filha) esses dias. Tá caduco esse gato!”.
Muito influente, ela lembra que fez dois pedidos a pessoas distintas, porém de grande reconhecimento: a Lula e à mulher de Wagner, governador da Bahia. Ao presidente pediu que algo fosse feito para melhorar a situação da Santa Casa de Misericórdia de Santo Amaro, e à primeira dama da Bahia, que tinha vontade de comemorar o seu aniversário de 102 anos com a Igreja de Nossa Senhora da Purificação toda restaurada. Segundo Dona Canô, ela não pretende mais fazer festa de aniversario fora de sua casa – “Eu já pedi aos meninos. Olha, continua da mesma forma, missa na Purificação e o que tem que oferecer, em casa. Num quero mais fora de casa não, eu não deixo. Eu posso escolher.”
A bênção: Em se tratando de aniversário, a sua festa de comemoração dos 100 anos, em 2007, foi bastante badalada com direito até a bênção apostólica do Papa, Bento XVI. A homenagem, em um quadro envidraçado, é destaque na sala de sua casa, e quando a mencionamos, rapidamente ela respondeu com um enorme sorriso no rosto, não conseguindo conter o seu enorme orgulho –“Já leu? Tá ali… Uma graça tão grande que eu nem posso agradecer. Uma graça dessa na minha vida, como eu podia esperar? Uma mensagem do papa pra min… Meus amigos padres que se comunicaram com ele e ele aceitou a proposta, e me mandou isso ali.”
A fama: Muito conhecida , não só na sua cidade mas por muitos no mundo todo, tem as portas abertas sempre para todo mundo que a procura. E não são poucos, a todo instante chega gente para visitá-la, a casa é bastante movimentada. Curiosamente, cita um caso: “ Caetano (risos), tava na Itália esses dias, fazendo um show, e me telefonou. ‘ Ô minha mãe, a senhora tem retrato com todo mundo, não é? Tem uma moça aqui, um grupo, pra me conhecer, e disse que conheceu a senhora. Trouxe um retrato com você.’ Eu disse, tá certo meu filho (risos). Muita gente que me quer bem, que vem me procurar. Eu agradeço a Deus.” Uma das alunas que faziam a entrevista declara que está realizando um sonho, tinha um sonho em conhecê-la. Canô dá risadas e brinca – “ Essa beleza? Minha filha, eu não sou nada. Estão dizendo que aqui agora é a casa dos famosos. Não é a casa de Canô não, nem de Zeca, nem dos Velloso. É a casa dos famosos.( risos)”
A mãe: “Criei meus filhos, meus netos, meus bisnetos que estão ai pra casar e queria que tivesse a sorte que eu tive. Mas não chega pra todos. Nunca fui coruja não. Nunca escondi o mal que fizeram , mas foram criados sem pancada, sem castigo. Nada, nada, nada …Com liberdade. Porque hoje não se pode dar liberdade a um menino. Vão logo errando. ” Apesar de afirmar que não era uma mãe coruja, quando perguntamos qual a música de Bethânia ou Caetano que ela mais gostava e se identificava, imediatamente surge uma linda declaração: “Ô meu filho, na interpretação de Bethânia qualquer música pra mim é bonita, porque ela sabe interpretar muito bem… E Caetano tem muitas que eu gosto, agora eu escolhi uma porque ele tava muito novo quando fez essa música. Força estranha. É uma música muito bonita para um menino de treze anos, muito forte. Com treze anos ele já escrevia (risos).”
* Matéria elaborada com a participação de Mariana Vilas Boas
06:27 | | 3 Comments